"que não seja imortal, posto que é chama
mas que seja infinito enquanto dure"
(vinícius, sobre seus isqueiros)
acho que todo mundo que fuma, ama o seu isqueiro. às vezes mais brutalmente que a mãe, ou o marido, ou o cachorro. e é sempre um relacionamento de posse. de uma posse doentia. todo mundo levanta e pergunta, no bar: "cadê o meu isqueiro.?" e o tempo vai passando, existe sempre um medo, uma apreensão constante. até quando ele vai ser seu.? até quando estará na sua bolsa, sempre que você remexer um bolso, nervoso.? você olha desconfiado os outros da mesa. qualquer um que acenda um cigarro com um isqueiro do tamanho e da cor do seu, é motivo pra levar a mão ao bolso, num movimento cego e assustado. se você não o encontra, pensa se vale a pena dar uma voadora naquele filho da puta que, com certeza roubou seu objeto de tão alta estima e paixão.
há ainda aqueles, que certos de que jamais deixarão o isqueiro pela forma natural, o fim da carga, desiludidos, passam a usar fósforos. fazem um ar demodé, degradé e tal. ensaiam sambinhas, desafinados, rindo. mas é em casa, quando vão acender na janela e usam 15 palitos que pensam (em segredo até deles mesmos, cheios de desejo.!) "merda de fósforo.! ai, isqueiro amarelo de meus pecados..."
outro tipo de desilusão, é pedir a brasa a alguém. você conclui, mentalmente, "ótima oportunidade de conhecer pessoas não tão estranhas: fumantes e que andam pelos mesmos lugares que eu." mas intimamente se sente um mendigo. um amante patético, rastejando por quem não dá bola, não te quer.
do outro lado, tem os fanáticos. a relação acaba, digo, a carga, e eles não aceitam. compram fluído. os amigos dizem "bom esse isqueiro, han.?" e você ri internamente: "só eu tenho o amor eterno". ainda que morra de medo do abandono. e então. se torna patético. se alguém, desiludido, precisa da sua chama, você acende o fogo e, antes mesmo que o outro possa tirar o cigarro da chama, puxa o isqueiro e o enfia no bolso. seu isqueiro.
a mais avassaladora das paixões humanas, a posse da natureza, a desgraça de nero.
o amor com 7 cm.
- apoio cultural: milani.