31.7.08

sobre amor e isqueiros.

"que não seja imortal, posto que é chama
mas que seja infinito enquanto dure"
(vinícius, sobre seus isqueiros)


acho que todo mundo que fuma, ama o seu isqueiro. às vezes mais brutalmente que a mãe, ou o marido, ou o cachorro. e é sempre um relacionamento de posse. de uma posse doentia. todo mundo levanta e pergunta, no bar: "cadê o meu isqueiro.?" e o tempo vai passando, existe sempre um medo, uma apreensão constante. até quando ele vai ser seu.? até quando estará na sua bolsa, sempre que você remexer um bolso, nervoso.? você olha desconfiado os outros da mesa. qualquer um que acenda um cigarro com um isqueiro do tamanho e da cor do seu, é motivo pra levar a mão ao bolso, num movimento cego e assustado. se você não o encontra, pensa se vale a pena dar uma voadora naquele filho da puta que, com certeza roubou seu objeto de tão alta estima e paixão.
há ainda aqueles, que certos de que jamais deixarão o isqueiro pela forma natural, o fim da carga, desiludidos, passam a usar fósforos. fazem um ar demodé, degradé e tal. ensaiam sambinhas, desafinados, rindo. mas é em casa, quando vão acender na janela e usam 15 palitos que pensam (em segredo até deles mesmos, cheios de desejo.!) "merda de fósforo.! ai, isqueiro amarelo de meus pecados..."
outro tipo de desilusão, é pedir a brasa a alguém. você conclui, mentalmente, "ótima oportunidade de conhecer pessoas não tão estranhas: fumantes e que andam pelos mesmos lugares que eu." mas intimamente se sente um mendigo. um amante patético, rastejando por quem não dá bola, não te quer.
do outro lado, tem os fanáticos. a relação acaba, digo, a carga, e eles não aceitam. compram fluído. os amigos dizem "bom esse isqueiro, han.?" e você ri internamente: "só eu tenho o amor eterno". ainda que morra de medo do abandono. e então. se torna patético. se alguém, desiludido, precisa da sua chama, você acende o fogo e, antes mesmo que o outro possa tirar o cigarro da chama, puxa o isqueiro e o enfia no bolso. seu isqueiro.

a mais avassaladora das paixões humanas, a posse da natureza, a desgraça de nero.
o amor com 7 cm.



- apoio cultural: milani.

7 comentários:

Gabi disse...

Nunca fumei e nunca pretendo fumar, então confesso que não consegui sentir o "sentimento" do texto, que, apesar disso, consegui adorar! Lindo o blog, parabéns.

Beijos, Gabi.

Jaya Magalhães disse...

Lua,

Precisa falar que adorei a analogia? Entendi direitinho o "fogo" da história. Ah, que filosofia mais bonita. Rs.

Desgraça de Nero. (De)corações.

Teu texto não podia de me lembrar de Manuel Bandeira:

"Amor - chama, e depois, fumaça
Medita no que vai fazer
O fumo vem, a chama passa."

Volto em breve.
Beijocas, moça!

P.S.: Tava lendo posts antigos. Adorando tudo. E olha, já abri uma janela pra espiar aqui também. É sempre aconchegante, te ler.

Ygor P. disse...

vale destacar o apoio da Milani... não teríamos as deliciosas groselhas.

marcia cardeal disse...

Vim te dizer que você, "mulher", será com certeza muito mais!!!! (sobre teu coment no sementeira). Não queira as sombras, não queira...vá pela luz!! Gostei deste texto e lembrei do Ariel, que, como eu, apesar de não fumar, se atraca em um "zipo achado"(que nem funciona mais...) como se fosse a espada do He Man! beijão, menininha.

Anônimo disse...

Eu já tive um isqueiro amarelo... o mais perfeito de todos, que me foi roubado por um garoto magricela.
Nutro raiva por ele até hoje e nunca vou esquecer o mais perfeito isqueiro que já existiu, e que foi meu.
Hoje me resumo à palitos de fosforos e ao vento. Eles que mandam em mim.

a Lu! disse...

que degradê...

Luana disse...

Muito bom. Falaste exatamente da paixão que um fumante sente sobre seu isqueiro. Maior bem.