31.10.08

Falsa crônica da triste morte do desamor cultivado

Acordei. Doía da cabeça à garganta, jurei que esse maço era o último. Jurei. Doíam as pernas, como pesos, como mortos. Jurei fazer as tais massagens, passar menos horas em pé.
Levantei com a leseira que me é tão peculiar, fingi que as cobertas não me engoliam, mornas. Levantei - antes de estar atrasada!. O banho foi prazeroso, a descoberta ante o espelho foi lenta.
Mastiguei o gosto do amor sincero, que ainda fluía pelo meu travesseiro. Fluía. Não lembrei do teu rosto, gloriosas as horas todas sem tu. Evitei toda morte que ainda podia me causar: me safei. Das unhas fiz vermelho, das palavras fiz paixão, não deixei nada nos armários: levei passados, joguei memórias numa fogueira improvisada no meio do jardim. Eu te matei! ou matei o que de tu me matava em mim. Eu matei teu riso sincero e teu toque macio, que cortava feito limalha de ferro. Teu cheiro pensei que podia me asfixiar, não podia. Não, não pode mais.
Juntei as malas, juntei as dores, levei travesseiro e cachorro, palavra escrita e cantada, medo e coragem e força.
Remexi baús. Lembrei de quando minha menina ainda chorava escondida os teus desamores. Lembrei que antes da tua rede me botar em torpor, houve em você força que seguiu. Houve força inspiradora. Houve força que me levou, aos 18, estar onde queria estar - historiográfica. E ir aonde preciso: soltar asas, deixar voar. Minha casa agora é outra, que não de mãe.
Matei meu amor doente, morto está. Deixei aberta a ferida que me fez - ainda pulsa - aquela força quase bruta que me roubava com a poesia.
Foi mais cicatriz do que tatuagem. Ainda lembro. Não dói mais.
Bati a porta, girei a chave. Houve eco.

em fluxo inconsciente.



(lua em recomêços. lembrando do que já foi fim, e hoje é estória.)

27.10.08

em película.

A música, parecia música ambiente.
Um restaurante. Exótico. São muitas as cores, os detalhes são neutros. As cores, na verdade, se escondem atrás de um suspiro branco-e-prêto. O homem bebe, vinho. Olhos perdidos, na porta que não abre nunca. Não vemos seu rosto, seu cabelo apenas.
Rio. Brinco de ser o que não é. Releio. Eu, quero sair dessa cidade. Quero morar onde tem areia, mar. Parece bossa nova, é isso.
Abre a porta. Ela, sequer levanta os olhos. Reluta com o guarda chuva. Espana os respigos do casaco, com a mão do cigarro. Se pontilha de cinzas do tabaco. Bufa. Na sua bôca, tudo é dôce. Com graça, joga os cabelos para trás. Ao vê-lo, baixa os olhos. Esperava entrar deslumbrante, não uma menina perdida.
Na frente do espelho, de um jeito que nunca me pintei, me cubro de mulher. Os olhos, a boca, os cílios. Visto meu côrpo, inteiro, de meu côrpo. Amarro sobre os cachos que pintei o lenço prêto. As pontas tocam meus ombros. Esboço sorrisos. Ensaio olhares. Duas vezes, eu e Helena. Acendo o cigarro e, nua, vou pra janela.
Amassa o cigarro, uma fúria de fim-de-noite. Tira o casaco, sorri vagamente, para além do homem. A frase é amarela, 'Chuva me pegou'. Ele diz qualquer coisa sobre a beleza dela. Ela, suspira. (ele finge crer que ela sequer ouviu). Tira as luvas. Lança o mais lânguido dos olhares. Ele, no mesmo instante, sabe que seu esmalte carmin muito mais lhe importa do que a presença galanteadora do outro lado da mesa. Ele, é nada, perto dela. Cruzam os olhares. Ele, é nada, perto dela.
Poses. Angulo o pescoço. Meço os dedos, olhares longos, para o nada. Da minha beleza, só eu sei. Não ligo para as janelas, desfilo os seios nus, no parapeito. Aquelas, eu ignoro. Busco o telefone.
Bebe o vinho, e é linda. Tudo que faz é belo. Os movimentos que se desenham no ar, ao redor dos pulsos. As pausas. O modo como mexe o pescoço. Seus lábios grossos, os cabelos cheios e claros, a seda prêta que faz arco, no seu rosto. Brigitte é a sensualidade encarnada em cachos e melancolia.
Me arrasto. Arranco os brincos, o lenço, tenho vergonha de mim. Esfrego o rosto, a tinta escorre prêta dos olhos, me enfeia. É uma genuína feiúra. O oposto dEla. Eu sou a antiEla. Os olhos inchados, o nariz vermelho. Quando ela chora, tenho ganas de beijar-lhe a bôca. Quando eu choro, é de pena. Dó. O sinal de ocupado é tudo que ouço.
A rua tem névoa, e água. Debaixo do guarda-chuva, um passo incerto, a fumaça que exala. Vejo a tela, de dentro dos olhos dele. Brigitte anda, o impacto do passo movimenta o cabelo com graça. O impacto dela me mareja.
A música acabou.

25.10.08

lona rasgada, no alto.

Com grande pesar vim informar a morte do Palhaço. O bom-Palhaço padeceu, foi noite passada ou há mil dias? já não me lembro, eu já nem sei.
Padeceu, o Palhaço, porque era Cidade demais e riso de menos, desdor, despranto, desacalanto. Ninguém matava, ninguém morria! era só uma apatia. Um andar espectral de silêncio-solidão. Sem gargalhar de criança, sem cheiro de pipoca, sem lona furando o céu-de-estrêlas.
Vieram então, mais de mil palhaços, todos pro salão. De luto fechado, em seus panos rasgados (as Columbinas era rosa-e-carmin, era de mil-côres Harlequim). Vi um Pierrot chorar em soluços. Era o fim do carnaval. E a marchinha inundava o ar.
Eu pintei meu nariz, eu quis chorar. Se não tem palhaço tem o que, nessa vida.? Mas bem no meio da folia, pulou o Palhaço do caixão! eu juro porque vi. Era confete e serpentina. O seu sorriso pintado, o olhar caído. Piscou-me os olhos.

(vi por detrás uma menina, tinha olhos de contas e cabelo de mar. Puxou a manga do Palhaço e inundou de melancolia-poesia o não-ser.)

22.10.08

do circo, sem futuro.

há um medo surdo
como um baque.
como um soco, na cara.
i m p i e d o s o .
há o férreo gosto, na boca.

penso nos meus medos, quase infantis.
quando chove,
quando escurece,
quando penso em "ela",
quando tenho medo de não ver,
quando tenho medo de desistir,
quando quero virar um novelinho, em mim,
eu melancia chorosa e só num canto de um sofá cheio.

e então.
sinto o aconchego que dá brincar de gato, sob o sol
os pequenos prazeres,
a massinha,
o giz,
aquele tanto de olhares, da parede pra mim.

me sinto só.
e carrego as culpas todas.

17.10.08

Através do espelho - capítulos 13, 7, 42 e ∞

"(...)Luarenta, numa suave tarde de sol, comia jujubas. E então quis uma canção. Juan, brevemente, disse: coge el cabaquito, Jude. E tendo Jude provido-o de seu inseparável ukulele, tocou.
Meesha, indiana e terrorista, matadora cruel e sangüinolenta de mosquitos com biribinhas, bailou com Rringo, Jorge e Pablo. Todos inebriados pelo cheiro de torta de estrelas, que assava, em baixo do guarda chuva transparente, desenhado no castelo, pintado na parede.
E então um palhaço triste chegou, trazendo numa bola de neve - macuecos me mordan! - o inverno todinho. Voaram papeizinhos, dourados, e choveram coloridas bolas do céu.
Los Besoros correram, como porcos de uma arma. Voaram feito a Lucy.
Fugiram! Michetinha e Looa, montadas num grande cachorro prêto, que cheirava como meias suadas depois de um jogo com gols e bolas e mãos. Memérias capóticas se esqueceram dos campos de morango, para Eva. Se esconderam num colégio soturno e rezaram - espero que acreditemos!, pensaram. E então novenovenovenove vezes repetiram, para não esquecer.
Nesse minuto, Micha se lembrou dos lápis de cor que trazia. Usou, mais Lua, estilete para fazer a ponta, antes que houvesse tinta vermelha demais no chão, que atrapalhasse a passagem suculenta e sem sementes de Tangerina.
Borderline, a amiga querida, veio só para brincar.(...)"


para Mabel.


(é. acabaram as minhas palavras. enquanto elas não vêem, eu vou roubando minhas palavras de antes.)

2.10.08

calculou. mediu distâncias, apreendeu cheiros. ensaiou, mentalmente, cada movimento. olhou, não soube apreender a resposta. a pergunta era dispensável, forjou a resposta.
ignorou gestos.
um pé na frente do outro, decididos, os pés. os dedos, trêmulos, e firmes. fechados os olhos: no escuro não há pecado, não há segredo, não há mistério.

sêde.

do ímpeto do silêncio, rompeu o dessilêncio da respiração. seus mistérios encarcerados, à flor da pele. dobrou-se um milissegundo na eternidade de um arrepio. rolaram hipóteses pelo chão, encheram o ar, entorpeceram os sentidos.
um braço antes do outro, os olhos abertos-e-fechados, pra ver o que se vê, o que se quer ver.