25.4.10

todo-dia-mas-nem-sempre-assim.

Aquela tosse desgraçada, a falta de ar, só pra me lembrar que eu já tinha conseguido parar de fumar. Mas olha aqui, Cosmos, era um dia ruim, tá bem? Era só uma meia dúzia de cigarros, tá todo mundo careca de saber que isso é fichinha perto do que é possível se fumar numa noite dessas. Vou abrir os olhos¹, sem nenhum cigarro está bem?
Está bem.
- E então? Eu ainda estou aqui?
E tudo dói, o pescoço, os braços, a garganta. A ausência, porque eu sinto o cheiro de quem não virá, eu sei de tudo. E então eu nem precisava mesmo levantar, mas eu saio da cama, porque eu tenho que.
Não importa.
- Eu ainda estou aqui.
Me apóio na janela, sem ar. Merda de falta de ar. Me odeio por ter me livrado do maço ontem a noite. Aquele inquilino² que costuma dar palpites me diz: você está se matado. E eu (enquanto olho um saco plástico voar graciosamente sobre os telhados): e se eu estiver, que te importa. Quem morre sou eu, chora quem perde³ e pra continuar vivendo assim, eu prefiro morrer mesmo. Mas o inquilino é filho da puta e continua com seu rosário de minhaslamentações. E a solução é enfiar a cabeça embaixo da água.
- Eu prefiro domingo quando não vou fazer nada na segunda.
Mas amanhã eu vou lá dizer que quero sim voltar ao sistema, e vou ser explorada, e meu salário vai durar tanto quanto um orgasmo4 (mas não vai ser tão bom quanto, nem de longe.). O chuveiro continua quebrado, e eu continuo tomando banho de bica.
- Eu quero só ver no inverno.
Lembro de que não posso limpar os ouvidos. Mas que tremenda merda, é a única coisa divertida que eu podia fazer sem maiores consequências, e agora estou ficando surda.
Ligo o computador, coloco a música pra tocar. Sem cigarros mesmo, eu tomo um café e espero que o dia acabe logo, sem olhar os relógios.
Enquanto ainda estou aqui.

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¹ Vanguart.
² Mafalda.
³ Luci.
4 Marcelo Rubens Paiva.

meu coração é de sorvete.

pode até ser gelado, mas derrete.
pode até derreter, mas é gelado.

14.4.10

Estou sorrindo.

Terminei o primeiro cachecol em 4 invernos. Um maço de cigarros dura uma semana. Voltei a cozinhar, mesmo que sozinha. Fiz um monte de aquarelas. A USP tá legal. Ouço boas músicas. E talvez eu até me apaixone.

Não dá pra reclamar.

(O primeiro otário que me lembrar das coisas que dão errado, será torturado e morto, sem pudor.)

5.4.10

Se der três toques, eu desligo.

Era do tipo que ligava de madrugada. E ligou mesmo. Ligou pra dizer tchau, mesmo sem ter pra onde fugir às três e meia da manhã. Mas não ia fugir. Nem planejava, não dessa vez.
- É que eu vou morrer.
Bom, pelo menos era original, morrer ela nunca tinha morrido.
- Mas vou mesmo.
E a voz estava tão calma, tão apaziguadora, que só podia ser verdade.
- Sai de perto da janela, sai.
Não, não ia se jogar.
- É perda de tempo. Do jeito que eu sou, vou torcer o joelho, quebrar dois dentes e não passar em nenhuma matéria da faculdade. Só isso.
É que ela ia morrer, tinha certeza.
- Tenho certeza.
E falou que viu um filme muito bom, e que tinha tido soluço duas vezes esse final de semana. Duvidou da queda iminente dos EUA (você é um exagerado, sabe?) e contou com a voz chorosa:
- Eu perdi minhas meias de bolinha. As pretas! Sabe como? Perdi numa festa. É o fim do mundo, quem perde meias numa festa?
Não tinha fim, não precisava ouvir nada, só umas afirmativas de vez em quando. O reloginho de ela tinha quebrado, e não ligava que quatro da manhã fosse quase seis, horário que as pessoas de respeito acordam.
- Você era mais legal quando tinha mais gim e menos respeito.
Mas já era tarde e ainda precisava pintar as unhas. Deu boa noite. Antes de desligar:
- Será que você não queria ser meu amante antes de eu morrer?

Era mesmo desse tipo.