30.7.10

Sobre as mulheres [ou Não acho que as mulheres, como gênero, mereçam um conto inteiro.]

Amélia, desesperada por sentir amor, comeu doze rosas vermelhas (que ela mesmo comprou).

Alice foi deixada pelo marido, que sentia ciúmes da maneira que ela olhava o gato.

Carolina, antropóloga, casou com uma travesti lésbica, e foi assim que conheceu o homem mais doce e a mulher mais racional da sua vida.

Joana desistiu de ser independente e bem sucedida, foi vender coco na praia, se apaixonou por um caiçara e está grávida de gêmeos.

Marina queimou o sutiã na frente do pai e foi para o baile funk.

Elisete roubou a igreja para comprar sapatos amarelos.

Beatriz dirige caminhão. Sem camisa.

25.7.10

Miniconto translúcido e piscante.

Do alto dos seus seis anos, já conseguia ler umas palavras, já escrevia nomes nas paredes. Um dia, pescou na conversa da irmã mais velha uma palavra linda. Vaga-lume.
Encantou-se com a palavra nova, e gostava de girar no quintal enquanto recitava: "va-ga-lu-me, va-ga-lu-me, va-ga-lu-me". Decidiu que Isabel não era um nome tão bom, mas não podia mudar de nome, assim, do nada. Decidiu perguntar pra irmã:
- Nana, que é vaga-lume?
E a irmã explicou que era um bichinho voador, bem pequeno, que piscava.
- E é mais bonito do que borboleta?
- É, porque só vem a noite. E porque brilha.
E Isabel pensou que não podia haver coisa mais bonita no mundo, que voa e brilha. E pisca-pisca-pisca! Apaixonou-se, queria chamar Vaga-lume (embora gostasse muito de se chamar Isabel e ter seis anos).
Não sabendo como era Amor, Isa pensou que podia prender os bichinhos num pote, para que brilhassem toda vez que ela fizesse virar noite, com o cobertor virado em cabaninha no quarto. Os Lumes morreram e ela ficou muito triste, chorou umas lágrimas bem salgadas, em silêncio.
Isabel pensou mais de uma semana. Precisou de muitos lápis de cera e quase metade da parede do corredor para descobrir a mágica de amar os Lumes, e tê-los para si.
Na sexta-feira, ficou acordada até tarde. Saiu do quarto só de meias, para não acordar ninguém. Pisou na grama e sentiu os pés molhados de orvalho (que ela achava que eram lágrimas de estrela, muito tristes por não verem o sol).
Do alto dos seus seis anos, munida de água, detergente e canudo, caçou vaga-lumes com bolhas de sabão até o céu ficar azul-rosado e o dia despontar preguiçoso.

16.7.10

Diluvia! e outros fragmentos.

Chove em São Paulo. Diluvia eu, diluviam os olhos. Chove essa chuvinha fina, chove na cidade da garoa. Chove sem saber por quê. Chovo sem saber por quê. Eita mundo girador, eita mundo.

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Hoje eu amo, aqui, quieta, esse tanto de mundos que eu não entendo. Giramundo. Hoje eu amo cada um que padece embaixo dessa garoa gelada de São Paulo. Padeço eu, acolhida do frio, acolhida das brutalidades ruentas. Padecem os mendigos gelados sob jornais úmidos. E a chuva cai sem perdão, em cima das dores todas. A chuva cai alheia de nós.

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As gotas respingam no parapeito sujo de cinzas de cigarro. Pulam, como meninas, pra cima da aquarela esquecida em cima da mesa. (Nos lábios, as gotas caem salgadinhas e faceiras, como meninas já velhas).

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Será que existe mundo depois da linha do horizonte?

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- Queria descobrir que eu sou mesmo um mar. E me espalhar, sendo o mundo todo e coisa nenhuma. Se ninguém olha para o mar, existe mesmo a onda?
- Existe. A onda independe do olhar.
- Quem te disse? Quem garante? Não tem ninguém lá pra ver. (Se eu choro sem ninguém ver, será que eu sofro mesmo?)
- Depende se o sofrimento é pra sofrer ou pra ostentar.
- E não é a mesma coisa? Só dói porque existe o mundo, existe o resto. Se não não doía. E a onda só dobra porque tem gente pra ver, ouvir afogar.


11.7.10

Era uma vez três.

Era uma vez eu, assim, do jeito que você conhece.
Era uma vez eu e mais dois, ou mais três.
Era uma vez três.
Era uma vez a Tita, a Gigi e a Nana. Era outra vez o , a e a Dodi. Era uma vez Analu, Eleni e mainha. Era uma vez tio Jaime, tio Jairo, tio Júlio. Era uma vez eu, o Deco e o Dan, ou eu o Dan e o Cacá.
Era uma vez eu, mais Lulu, mais Laira. E a Lulu, comigo e Vany. Era uma vez eu, a Yas e a Emi. Eu, o Ygor e o Bruno, eu o Ygor e o Elvis. O Elvis e a Miky, e eu. Até no sonhos, era uma vez eu, Bruno e Ane. Era uma vez longe os três irmãos Carrard.
Era uma vez três.
Era uma vez eu sabendo amar, eu sendo amor. Porque amor é melhor quando vem de três, ou vem pra três.
Eu tenho certeza que em algum tempo do mundo, eu vivi num reino da alegria; eu lembro dos meus pés dançando em círculos e os braços girando. Eu lembro da calça azul com uma faixa branca, do lado. Eu lembro das calças roubadas dos tios. Eu lembro das saias até o pé, coloridas. Até o joelho, estampadas.
Eu lembro da cabelo curto, do cabelo trançado, do cabelo desgrenhado. Tenha certeza, meu caro, que eu lembro de tudo. Das conversas dentro do banheiro, das horas no telefone, das conversas na escada. Das conversas no parque, do caderno de conversa, dos bilhetinhos que voavam pela sala.
E listando os amores tripartidos, me lembro de mais um monte. Uma infinidade deles. Tenho vontade de chorar, tenho ganas de juntar todo mundo numa casa, pra fazer um almoço do tamanho do mundo, porque eu sei amar cozinhando, só desse jeito eu sei dizer do amor.
Eu não sei viver sem amor, não sei. Mas eu não quero viver sem ser eu. Então, eu acho as linhas pra me desenhar e me escrever, me conhecer de cór - ainda que seja só desculpa-escapismo para o aval de mudar todos os dias (e a máxima de que entrar no mesmo rio é sempre entrar em outro rio). E espero esses dias que não chove, nem amo, que eles tragam uma semente de primavera, pra nascerem flores em mim. E eu ser de novo três, de novo amor.

(E por enquanto vou vivendo em três, sem amor, mas três. Eu, ele e as pílulas.)

4.7.10

Tempo a gente tem.

Escrevo qualquer coisa, ouço os versos, te amando em hiatos.
Meu deus, como eu te amo. Tão cega, tão surda, tão docemente. Como ainda sou tão sua, como nós mesmo nos enforcamos em nós cegos.
Como eu te espero, como eu te desejo.
E só precisava dizer, mas você escorre, me escapa entre os dedos. E então lembro que eu mesma te desejei asas - vejo você voar tão longe, sem olhar para o chão.

(Não consigo quebrar a redoma.)

Sobre os medos.

Não sei como era quando eu era pequena, mas desde que me lembro por gente, eu tenho muito medo. Medos variados, de coisas diversas. Tinha um tempo que eu tinha medo de mortos e de espíritos. Depois eu tinha medo de ser lésbica. E foi aí que meus medos começaram a se refinar (O Houaiss diz, entre outras coisas, que refinar é tornar mais apurado, mais requintado; ou tornar mais forte e intenso).
E digo refinar porque foi isso mesmo. Meus medos são muito sólidos, muito senhores de si. Sim, porque eles quase são independentes de mim. E muito exatos. Não tenho medo de ser assaltada, é ruim, mas não tenho medo. Medo mesmo eu tenho de ser seguida, por exemplo. Porque inclui o outro, e o outro me dá um medo abissal (Segundo o Houaiss, de novo, abissal é o que aterroriza, está coberto de mistério, indecifrável; mas ainda diz respeito a abismo). As intenções, o livre arbítrio, essas coisas todas. Isso influidiretamente nas relações que quero estabelecer (mas isso não vem ao caso).
Mas o que mais me incomoda é fato de não ter meus medos respeitados. E o melhor exemplo disso é o medo vertiginoso que tenho de cachorros. Já foi muito mais intenso, e hoje consigo até acarinhar um cão ou outro. Mas isso não muda a minha posição, que eu sei qual é. As pessoas tentam me convencer do contrário: 'ah, ele não morde nem uma mosca, ele é superbonzinho'. Sorte a sua, eu não moraria com um quadrúpede assassino e fico feliz que você também não. Mas QUANDO foi que eu disse que eu tenho medo de sermordida pelo seu monstrinho? Eu tenho medo é da existência dele. Os dentes são só umaconsequência, que vem com todo o conjunto. Eu tenho medo das unhas, do rabo, do nariz molhado, dos latidos, dos ganidos, do pêlo grosso, das pulgas. Eu tenho medo do cão inteiro, mesmo com uma focinheira, ou mesmo de um cão sem boca. Respeita?
Ainda assim, esses medos nem são os piores. Tem ainda os medos que devo curar, porque mudam minha vida. Eu não gosto de sujeira. Em geral, tendem a confundir sujeira combagunça. O que, obviamente, é descabido. Não gosto de estar suja. E que isso tem a ver com os livros espalhados pelo quarto, a toalha molhada em cima da cama, mil bitucas de cigarro em todos os cantos? Não entro de sapatos no meu quarto, porque a rua é suja. Não gosto de encostar em pessoas no ônibus; e passo álcool quando encosto em mesas,corrimãos, transportes públicos. Já pensaram quantas pessoas espirraram na mão e a limparam ali? Não, obrigada, só quero os germes das pessoas com que faço sexo, e isso é o bastante. E me dou ao luxo de roer minhas unhas porque sempre estão minimamente limpas (mais limpas que os copos de bar, pode apostar nisso).
E tenho medo de ser abandonada. Mas isso nem os comprimidos vão resolver.