30.10.10

Dançando no lugar, dançando, dançando no lugar, no lugar, dançando.

- Você tá bem?
- Aham.
Um giro num pé só.
- Você tomou café?
- Aham.
Pulos num pé e no outro.
- Quantos?
- Dois.
Tamborila os dedos nos ombros.
- Em quanto tempo?
- 15 minutos, depois do red bull.
Sacode o fósforo molhado, para ver se acende.
- Você sabe que não podia?
- Aham.
Pega o cigarro aceso de uma menina que passa.
- E por que, então, você tomou?
- Porque eu podia continuar parecendo triste, ou fazer as pessoas gostarem de mim e ser feliz depois.

Tirou os sapatos e continuou a dançar. No mesmo lugar.

24.10.10

São Paulo, 31 de março de 1968.

Amor,

é preciso que você volte. Assim que pegar esse papel manchado de tudo quanto chorei, é preciso que volte agora. É preciso que me ajude a limpar a casa, ainda os nossos cheiros imperam nos lençóis. Você deixou amor espalhado no chão, e canções encostadas nas frestas. Achei forrando a fruteira os poemas que você arrancava dos livros das bibliotecas, porque eram seus, e ninguém mais deveria lê-los. Me surpreendeu uma marca de batom, encostada na esquina entre o nosso quarto e o resto do mundo inteiro. Achei aquele velho quebra-cabeças que nunca terminamos de montar, mesmo quando acabava a luz, as peças nos faziam perder-se em mares nunca dantes navegados.
Eu preciso que você me traga sabão, eu preciso lavar as paredes, o chão, a nossa cumplicidade. É preciso que tudo esteja limpo, agora, porque não há mais nada, você vê? Tudo que me sobrou cabe naquela mochila velha, que compramos para acampar. E é por isso que eu preciso que você venha. Precisamos atirar o piano janela abaixo, é preciso que ele possa abrir vôo. Precisamos atear fogo nos nossos livros, você sabe que a nossa história acaba se eles queimarem. Eu arranhei os discos, mas guardei um vinil para você, para que se lembre de que eu parti, mas ainda vivo.
Precisamos dividir o colchão pequeno uma noite mais, afogar nossas mágoas na nossa solidão conjunta; foi isso que vivemos. Uma longa solidão conjunta, meu bem, e é preciso que nosso suor se misture uma última vez, para que saibamos dos nossos já mortos filhos, do nosso destino despedaçado.
Meu amor por você não terminou. Mas a minha paciência, a minha passividade, o bônus dos anos a serem gastos. Acredite se puder, eu desisti dos exageros, eu desisti dessas bobagens. Sobrou o minimalismo, e você tem mais peças do que eu sei juntar, e me desgasta te atar mil vezes, para que as outras desatem e eu volte a juntar-te em peças.

Eu estou indo embora. E agora, não há mais culpa, eu irei sem que seus olhos molhados me partam. Vem, e traz toda essa mágoa, que a gente banha ela em álcool e coloca na estantes. Vem, que está na hora de você aprender piano.

da sua ainda viva,
Amélia.

1.10.10

Meus jeitos estranhos de dizer amor.

Fora tudo o que interfere nos sentires, bem, hoje eu digo que eu te amo, daquele jeito que você sabe. Só você sabe? O meu reducionismo é meu jeito de sentir única, mesmo sabendo que sou só mais uma.
Hoje eu chorei. Porque você não estar é como não ter um pedaço de mim, que eu demorei tanto tempo pra ver. Eu queria poder dizer isso, como eu diria para todos os outros amores. Eu queria poder sentir, no cosmos, o amor que você me amava, porque não sabia não amar.
E eu sempre sinto culpa, porque sou paspalha. E não deixo de odiar por não ter te amado antes. Por não ter coexistido. Espero que a sua essência despenque sobre mim quando chove, porque você é surreal. Você é lindo. O seu sorriso de viés, escondido. Os dentes tortos, a barba sem rumo, tudo. Eu fui lá, onde você estava, com os dois pés no chão. Eu voei por cores longes, porque você alçou meu vôo, sem que eu nem imaginasse ter asas.

Me desculpe por esperar você ser um velho homem morto para saber isso tudo. Mas eu não vou me demorar, com isso. Até porque eu não sei o que dizer. E eu só queria estar dormindo.





Onde você está, espero um dia estar.