2.3.11

Sensações de não pertecimento, o medo do outro e o egoísmo.

Cena 1. Alguém afana uma carteira no ônibus lotado. Ninguém vê.
Cena 2. Um homem enfurecido arremessa um vaso contra a sobrinha e a mãe.
Cena 3. Um homem encoxa uma mulher que não tem para onde fugir no metrô lotado - ela não reage como seus preceitos indicavam.
Cena 3. Um profissional experiente mina pouco a pouco o trabalho de uma assistente esforçada.
Cena 4. Duas meninas, saindo da faculdade, conversam por mais de 30 minutos sobre a enorme importância do cabelo para a mulher moderna. Nenhum assunto acadêmico.

Isso acontece a todo momento. O que não quer dizer que é normal. Não é. Não, as pessoas não demonstram poder pelo sexo, pela força, pela hostilidade. Isso não é poder. Expor suas forças é um jeito de demonstrar a fragilidade, a insegurança. O ataque não é a melhor defesa. Não é necessário atacar, desde que não se tenha defesas. E expondo o mais sensível e sincero de mim, tudo me atinge em cheio. Um encoxo no trem é o mínimo que se pode esperar: ninguém se revolta contra o que mantém os trens cheios, é obvio que empurrar e encoxar é o jeito mais simples de liberar suas tensões e frustrações do dia a dia no mais fraco. No impotente. The silence of the lambs. Não, ninguém é inocente. Mas todo mundo cala.
Sim, o mundo vai continuar torto, porque nós existimos, e existir é a única arma que ainda temos.

(e aqui tudo se torna um torvelinho, e tudo conflui para a MINHA existência)

Porque o choque, a afronta, o confronto pacífico foi o que eu escolhi. Por isso esse cabelo, por isso esse corpo, por isso essas tatuagens. Não, eu não vou me render ao esquadrão da moda e ceder minhas palavras de revolta e transformação em prol do cabelo. Eu não vou sacanear quem tem menos voz que eu. Nem no ônibus, nem no trabalho, nem na vida.
E não, eu não vou aceitar que essas coisas acontecem. Eu queria estapear a cara de todos os homens que usam do gênero/força para satisfazer um desejo. Eu queria fazer os políticos & donos de cia. de transporte entrarem na Sé todos os dias, às 18h. Eu queria explicar pra minha que ela não precisa se subordinar ao meu tio só porque ele é homem. Mas eu não posso. Porque eu sou eu, e impor minha visão aos outros é ser como eles. Porque eu não sou como eles.
Mas eu posso continuar vegetariana. Eu posso continuar gentil e sorridente. Eu posso continuar a acreditar na bondade, apesar de todos os contra-indícios. Eu posso me atirar sempre no que eu faço. E eu tenho o sumo, o extremo, o maior direito de chorar até soluçar. No ônibus, na rua, em casa, no trabalho.
Eu quero continuar mole. Eu quero ainda sentir tudo, intensamente.

Eu não tomo mais pílulas.

Para a Lulu, que não se importa quando as coisas ficam feias e está sempre aqui. E sempre íntegra, e sempre limpa.

Um comentário:

a Lu! disse...

só te aviso que é o caminho mais dificil, mais cheio de subidas, pedras, rios caudalosos sem ponte.
Mas no final chegamos sem celulite. Chupem essa manga, patricinhas!