29.4.11

Amor, amor, amor.

(e para ouvir muitas vezes mais)

E como um universo que nasce num átimo de segundo, eu senti a lágrima tomar corpo dentro do meu olho, girar no ritmo da música e cair pesada como o mundo inteiro. Ah, quem me dera não entender tão pura, tão simplesmente a sua dor. Quem me dera poder abrir as minhas asas, e te levar de carona para todos os lugares lindos que nós sonhamos juntas. Quem me dera ter os pincéis pra te pintar um mundo de nanquim e aquarela. Cheirando a cardamomo e noz-moscada. Com gosto de coca-cola, negresco e pêra.
Um dia, eu sei, o mundo grande vai ser macio, e nós vamos ter a nossa escola, o nosso bistrô. O nosso mundo é lindo, porque as pessoas são mágicas. Mesmo que elas não se lembrem disso o tempo todo. (Nós mesmas já esquecemos disso uma porção de vezes.) Eu queria que você nunca mais chorasse, que nunca mais se sentisse fora do mundo.
Um dia o céu vai desabar bolhas-de-sabão todas as manhãs. Todos os pássaros do mundo serão pretos e muito cantadeiros. O amor vai brotar como mato em todas as frestas. Todos os vaga-lumes vão virar estrelas, e todas estrelas serão lumes, num brilho-piscar sem fim. E a Alice será rainha.

Eu juro.
(e até lá, juro não soltar sua mão, se você não soltar a minha.)

20.4.11

Container.

Então, segurei o choro na garganta.
Da janela eu vi você subir no navio como quem vira a esquina, e se esparramar feito sombra no convés sem olhar para mim. Plantei os cotovelos fundo no batente da janela, enquanto você arrancava docemente aquelas raízes que seguravam meu coração no lugar dele. Eu puxava a âncora com os olhos, naquela esperança tola dos fiéis: se a âncora cair, ela fica. Se eu pedir a âncora cai. Fica. Fica. Fica.
O sal do mar foi levando embora as promessas de colchas bordadas, as promessas de café preto na madrugada, as promessas secretas: os acordos tácitos. As ondas cobrindo silenciosamente o ar das histórias que eu imaginei. Sentada na janela, eu e a praia. Nós duas fazendo castelos de areia, sem lembrar do vento. Sem lembrar da fúria. Sem lembrar da sua vontade.
Do lado de dentro da janela. Nada me acalma, nada me impede, nada me impele a correr atrás de você. Não tiro os olhos do mar, não tiro os olhos do seu navio, cada vez menos nítido. Não tiro as expectativas dos seus pés, que eu já sei o caminho. (Eu já supunha as vigílias a te escrever cartas de amor, a espera das cartas que nunca chegariam d'além mar.)
Sumiu a embarcação. Caíram as lágrimas.

17.4.11

Love is all and love is everyone.

Estar no meio das pessoas, de novo.
Os pés pisando o chão cautelosamente. Mas não cuidava para não escorregar na lama e sujar o poncho: tinha medo dos vidros, dos vômitos. Os olhos que tentavam ver tudo, mas não para gravar belezas: era um modo de esconder-se dos bêbados, dos drogados, dos violentos, dos tarados. O som ecoava por todas as partes, e era morno e sem vida - tão diferente dos dias que embalaram o meu coração com amoracordes.
A cidade sem amor canta - e canta para quê, para quem? O som é uma desculpa para beber até cair, para desrespeitar vidas, para criar brigas. E lá, os moços cantando. E eu me esforçando, juro que sim, para sentir amor (na cidade sem amor), enquanto duas pessoas gritavam, umas com as outras, a fim de abrir caminho no meio da multidão. (Nessa hora, um menino que não devia ter 15, passava carregado, o corpo muito distante de qualquer coisa que eu chamaria de vida).

Eu passei a minha vida inteira nessa cidade, e cada dia eu me sinto mais fora do lugar. Como se eu fosse uma estrangeira, e que não falasse essa língua. Eu não entendo essa vocação que as pessoas têm para a maldade, a grosseria, a ignorância. Essa enorme falta de cuidado com o outro, consigo mesmo. Não é de estranhar que eu me feche em mim, que eu me esconda dos outros, que eu esqueça do mundo.
Por mais piegas e mesquinho que isso soe, eu quero chorar. Não porque algo dói. Mas porque as pessoas não me dão mais ganas de existir (porque existência sem coexistência não serve de nada). Espero que um dia passe. Não o meu incômodo, mas a náusea que cobre os seres viventes. Se cada um pudesse imaginar o outro... Então, tudo seria inteiro, e completo. Como um ovo, inteiro. E não essa massa podre que chamam de São Paulo; que chamam de mundo.

15.4.11

Doce de chocolate com morango.

Eram 3 da manhã, e ela correu, correu de tudo, correu da vida e das obrigações, da dieta, do padrão. Correu do marido e dos filhos que a esperavam, correu da panela em fogo baixo. Correu, simplesmente. Correu da forma mais complicada.Correu tanto, tão mais rápido que tudo, que muito certamente ela flutuava e não tocava mais o chão. O vento era tanto e tão forte que o cabelo voava, os olhos lacrimejavam. Ela não ia mais voltar, ela ia correr pra sempre.
Ela chegou ao seu destino, eventualmente, e parou. Parou simplesmente da forma mais complexa. A quietude, a paz, a estabilidade. Era tudo encantadoramente estático, todo o mínimo movimento se fazia sentir. O calor das faces, a respiração agitada, os batimentos fortes e intensos. Era lindo.
Ela foi até a padaria, comprou um doce de chocolate com morango, e o comeu como se fosse a única, a última, o pródigo, com seu passo tímido. O doce a enjoou, a quietude foi ficando gosmenta e pesada, e ela não a queria mais.
A vida, eventualmente, passou pra buscá-la e ela correu de novo, pro outro lado, longe dela. E nem ela mesmo sabia pra onde. Correu pela contramão e pelo caminho mais difícil e mais enrolado pra chegar exatamente onde deveria e lá ficou, novamente estática, até se mover de novo.

A Lulu escreveu tudo. Porque às vezes ela enxerga o que eu não sei ver.

14.4.11

Estradas.

Pé ante pé. A sua vontade de entrar pela porta era calma, diferente de tudo feito antes. Com a calma mais intensa que nunca tivera, andou para frente, como se um monstro a impedisse de dar meia volta. Aquele corredor comprido a não ter fim, a luz que escapava pelas frestas da porta, desenhavam as arestas do corredor. Tudo muito reto, esquemático, fotográfico.

Os dedos tateavam as paredes, como se descobrissem os caminhos. As sombras se projetavam contra a luz, cobrindo os caminhos. Pisava com cuidado, mesmo com os pés cobertos por meias grossas, que abafavam o som no tapete. O cheiro que escapava pela porta era de revirar os olhos, de onde saía esse cheiro? Não havia música, mas as vozes eram melodiosas, e mal podia esperar para ver as feições de quem tinha uma voz assim.

Pé ante pé. A dois passos desistiu. Quis correr de volta para onde tinha vindo. O desespero lhe embaraçou as pernas, caiu de costas contra a porta, que se abriu - e então ela pôde ver.

13.4.11

Rubber love.

O melhor de tudo não é poder te mandar mensagens aleatórias, nem fazer noites surreais, noutros tempos proibidas. Não, o melhor não é poder te pedir em casamento embaixo da marquise, nem te chamar de frouxo. A cerveja não é o melhor, tampouco os mojos ou a água com gás. Rir é bom. Mas tem o melhor de tudo, nessa vidinha cã.

É poder ouvir meu disco favorito dos Beatles sem chorar do começo ao fim.



there's no one compares with you.

11.4.11

Tédio, História e Cafeína (ou A Guerra Do Prata Como Ela É)

Bem amigos da rede globo, hoje é a finalííííssima da disputa pelo Rio do Prata. Aqui no estádio da Bacia do Prata entram em campo Uruguai do técnico Oribes, a grrrrrande Argentina com Rosas, el bruto e o Brasil-sil-sil-sil com a casa de Bragança! O jogo promete, a torcida delira e é vida ou morte para as nações em processo de formação! Argentina entra com mão de ferro para conquistar o território. É tanta raça, telespectador que tá dando até com dedo no olho de argentino! O Uruguai, já independente do Brasil-sil-sil-sil está em guerra civil-vil-vil e sem medo do que fazer! Rosas cerca o Uruguai, os argentinos jogam pro outro lado e o Brasil só fazendo finta, jogo bonito, esses são os meninos do império! Mas o que é isso! Uruguai rompe a barreira do Brasil dribla um, dribla dois, toca de calcanhar, leva uma vaca... e é gol. Gol do Uruguai. O Brasil se irrita, faz cara de bravo e É CARRINHO! Carrinho da... Inglaterra? É isso mesmo, e a França que apita que nem uma velha diz que foi jogo de corpo e manda seguir. Apita o juiz, FIIIIM DO PRIMEIRO TEMPO.

Dentro da violência do mundo.

Estávamos ali, sentados em volta de uma imaginária fogueira, mas que de fato nos aquecia. Nós ríamos e fazíamos amor porque era o que nos restava debaixo do sereno da noite. Buscávamos qualquer afago nos olhos, garrafas ou beijos, mas o silêncio da noite entrava úmido por nossas alegrias. Éramos muitos e muito diversos, e os caminhos de todos os anos nos levaram até ali.

E ali sentamos. Bebemos. Esperamos. Esperávamos o amanhecer e a morte, o que nos encontrasse primeiro. Esperávamos a sorte de ter luz para caminhar em frente, ou ao redor, ou voltar pelas mesmas estradas de terra e solidão. Esperávamos a sorte do descanso para os pés cansados, para a vida já esgarçada. E sem premeditar, íamos colando os corpos, com desespero e fúria, a fim de termos qualquer felicidade e menos medos.

Devoramos. Os dedos, as palavras, os sexos. Devoramos as agonias, as lisergias, a plenitude. Devoramos sem mastigar. Engolimos tudo com a fúria da juventude - que se esvaía. Estavámos prontos para a morte. Felizes, vazios, cheios. Sujos de amor e ódio, terra e sangue, esperávamos com os olhos em brasas a hora que ela chegaria, e seria recebida num festim de álcool e gritos.

Mas.

Ela não veio. Pela manhã vestimos nossos preconceitos e trapos, despimos o sonho e o gozo da noite anterior. De cara limpa, nos dissemos adeus de olhos baixos e, nas primeiras luzes, tratamos de andar.

8.4.11

All the lonely people.

Hoje eu não estou com vontade. Não quero sorrir, não queria ter saído da cama. Ninguém me enxergou hoje e minha meia-calça rasgou (eu pareço uma mamãe-quero-ser-punk). Tá tudo do jeito que não devia estar e eu com uma vontade de me entregar a esse sleepy feeling, me enrolar no edredon e esperar, com a calma dos sábios, esse dia passar bem devagar.
Mas o mais esquisito é que eu sou o arauto (ou o arbaixo, como preferir) do bom dia e me dá um nó na idéia quando ninguém percebe que eu não dei bom dia sorrindo, que eu não dividi nada. Só me enfiei nessa sala e há uma hora eu tento começar a trabalhar, mas eu estou lá fora, no sol, sentindo a vida que passa tão depressa. To lead a better life eu vou esperando o amor, e canto enquanto isso. Tento esquecer o dia, tento focalizar na nação do amor, na semana sabática e nos pensamentos teóricos.
No, no, no, you're wrong.



update: "eu gritei na escada... luuuuuuuuuuuara hoje cedo". ok, ganhei o dia. g'day sunshine.

4.4.11

Urbano (ou Harder, Better, Faster, Stronger)

Saia mais cedo para não pegar trânsito. Leve tudo que te isole do mundo. Chegue mais rápido. Compre o melhor. Não perca tempo. Seja a mais bonita. Seja o mais poderoso. Tenha mais orgasmos, com o maior número possível de parceiros. Compre mais um sapato. Compre mais um ipad. Emagreça. Não boceje. Sorria. Seja eficiente. Namore, case, tenha filhos. Traia. Coma. Malhe.
Faça tudo de novo.
Não olhe para os lados, não pense em coisas azuis. Ou de quaisquer outras cores. Não nade por diversão. Conte as calorias perdidas nos minutos submersos. Não cante. Não batuque a caixinha de fósforo. Não fume. Não beba. Não viaje. Não lembre. ESQUEÇA sua casa, sua cama, suas meias. Esqueça o movimento que seus lábios faziam para sorrir. Abra o guarda-chuva. Não olhe para o cachorro. Não use um casaco amarelo. Ligue a tv, mastigue o jantar. Não dance. Não ame. Não se apaixone.
Não faça nada de novo.

2.4.11

Aclimação, 20.set.09

Ensaio os minutos no abrigo, agora quando sabemos o que não é mais físico para ser lar. O mito de afago está, por enquanto, em muito cantos, e talvez nem se chegue de fato a ter um lugar único, e propício ao sentir intenso que se dá em tantos cantos.
O dia claro e cinzento lá de fora torna qualquer coisa mais acalentadora dentro, o que basta saber é se está dentro do espaço, ou dentro de nós mesmos. E, como sempre, se é que foi criado assim, que se mantenha a eterna fórmula, que é sabor que dá a liga do tempo não esgarçar, e é querer prazer múltiplo e saber tê-lo nesse nó, que mantem os caminhos, a se cruzar e afastar diversas vezes, se não pelos horizontes, mas quando se é de olhar para trás.
O som não diz palavra, e assim enovela, como se fossem versos intensos, carregados de mudos significados. É de não saber as memórias que trazem, como o bom sexo ou uma noite insone, mas trazem, e muito. Trazem do silêncio e dessilêncio de uma história bruta da qual não precisa se lapidar por ser interna e explícita, quase caótica.
Não tento mais experimentar o gosto que me era pessoal de buscar as explicações, quase me convenço de que são débeis e desnecessárias. Experimento o gosto coletivo de fazer coisas fluidas, naturais, impulsionadas. É de desistir do desejo autodestrutivo de abarcar todos os caminhos no meu, me desisto de ser única, interina, inesquecível; e é sem dor que assumo calmamente o papel de humano, puro e simples, passível de ódios e esquecimentos: etérea, delével.

E enquanto nada me dói, me acariciam os olhos gestos simples, não pensados, e a voz que lê sem titubear o que me parece inescrupuloso, inescrupulosos significados da palavra amor.


(tanto tempo depois, sinto ainda igual.)

Desapego.

Deixe as pessoas irem. Deixe as coisas quebradas para o lixo. Poucas roupas, mp3 deletados, esvair-se.
E por mais que a solidão seja pior que cupim, é sempre melhor ruir em silêncio, sem que ninguém saiba o que dói. É melhor sorrir em silêncio, e rir sem motivo, para todo mundo atestar a loucura.

No fim das contas, estamos mesmo ladeira abaixo, vertiginosamente. E ninguém vai se safar.