29.11.11

- penumbra, 02

Pisco os olhos com muita lentidão. Os músculos pedem descanso, mas a racionalidade me impele a continuar um tanto mais. Pisco ainda mais devagar. Dentro das minhas pálpebras brotam flores, e grãos de poeira brilham vagarosos num sol morno, que só eu vejo. Um sol morno que aquece minhas ideias, ilumina os desejos mais secretos.
A suavidade da água ao tocar os lábios, ao escorrer cristalina, não esclarece meus mistérios turvos. Uma certa confusão de pensamentos emaranhados, que eu nunca entendo, que eu nunca ordeno. E a água não mata a sede, meus lábios estão ressequidos de saudade das tuas palavras, da tua língua, dos teus olhos.

*

E então os cílios colam-se e piscar desvira-se num sonho lúcido, em que sinto nas mãos a sua pele tão clara, as pontas dos dedos desenham imaginariamente o sorriso tão raro de lhe escapar. Me encaixo em seus ângulos, e seu cheiro pousa sobre toda a minha pele e não tenho ganas de me soltar. A memória pisca e reacende: o meu nome sussurrado entredentes quando me repreendias cheio de entrega e arrepios.
Vão caindo, assim, um a um: a vergonha, o medo, o pudor. Sei do erro, mas não poupo gestos nem palavras para a entrega, total. De repente, me sinto tão sua que já esvazio-me de mim. E é um vazio perfumado e calmo, é um vazio consentido.

Sorrio, de olhos muito abertos. Sei de ter nascido pra esperar o horizonte, e salgar o ar. Meu coração é de espera. Como quem espera cartas, todos os dias.
(O meu amor é de vento e pólen, que brinca e se ri de florir longe.)

23.11.11

Penumbra e murmúrio.

Andamos despretensiosamente, enquanto conversas nos envolviam lentamente, numa aura de névoa, irreal. Onde estávamos não importava, o caminho tampouco. Importava andar. Importava juntarmo-nos ainda mais nesses mistérios. A nossa persistente racionalidade nos abandonou por aquela noite, e estávamos desamparados, cercados pelos cheiros e sons do mato. Sozinhos em nós mesmos.
O escuro e o frio não nos assustava, mas tínhamos a fome de fogo. O desejo de ver arder, de nos botar em brasas, de ouvi-lo dançar alheio às nossas expectativas. E o exercício lento e contínuo de procurar por folhas e gravetos, quase infantil, foi uma tarefa longa de dois solitários. O encontro foi suado, sorrido, com cheiro de eucalipto e camomila. E meus dedos sabiam seus cabelos colados na nuca.
Fazer o fogo, esperar as chamas lamberem de leve o ar, encantando nossos olhos, já tão cansados do dia. Um abraço silencioso, na grama, selava muitos acordos tácitos que ficariam para sempre incógnitos nos verbos. E então sons que enchem o ar e tiram nossos pés do chão. Braços que se intercalam numa dança sem rumo, rodopios sem panos. Os movimentos nos esgotam, resta um sono profundo.
Que o sol acorda, sobre nossos olhos. Doces.

22.11.11

Eu preciso mudar o mundo - mesmo que eu não ganhe nada com isso.

Eu não entendo porque a paixão com a qual me devoto a tudo não é o bastante. A paixão de um nunca é o bastante, nunca supre esses vazios que insistem em persistir por entre as frestas, por entre os dedos, entre os projetos. O desejo de um não muda o mundo, porque um é muito pouco, um é muito só, um é muito frágil. Entregar-se não significa que as pessoas saibam receber, sangrar não significa que as pessoas saibam cuidar.

MAS.

A vida insiste em me entregar caminhos, em abrir passos em que meu coração fica amparado, abraçado por esses humanos tão demasiadamente gente. Tão demasiadamente quentes, moles, intensos, pulsantes. Eu não resisto à essa força que só essas pessoas tem de me fazer inspirar, quando o passo é de cair, quando o rumo é se perder, quando tem fumaça demais cobrindo as minhas estrelas.

E.

Ainda que se respire, eu não consigo pensar em tantos de nós caídos pelos caminhos, tantos abraços partidos, tanta gente que vai morrer. Eu não consigo endurecer, não dá para passar concreto nessas humanidades que a cidade destrói, que o bicho homem corrói. Porque um a menos é muito a menos, é muita perda, é muita dor.
Eu sigo amando cegamente, tudo quanto vejo e sinto. Sigo amando cegamente tudo que desconheço e não entendo; e então minha voz insiste em fraquejar, meus olhos chovem muito. Porque tantas vezes parece que sobrou um só, um bloco do eu sozinho, tremendo de medo contra um mundo gigante, e sem sorriso.

Me dê sua mão?

1. Existência

Você não está aí por acaso. A existência precisa de você. Sem a sua presença, algo estará faltando na existência e ninguém poderá ocupar o lugar. Isto é o que lhe confere dignidade: saber que a existência inteira sentiria a sua falta. As estrelas, o sol e a lua, as árvores, os pássaros, a terra -- tudo no universo sentiria que um pequeno lugar está vago, o qual não pode ser ocupado por ninguém mais, a não ser você.
Isto lhe dá uma alegria enorme, uma comprovação de que você tem a ver com tudo o que existe, e de que a existência preocupa-se com você. Quando você está purificado e transparente, você poderá perceber uma imensurável quantidade de amor derramando-se sobre você de todas as dimensões.

Osho God is Dead: Now Zen is the Only Living Truth Chapter 1

Esta figura nua está sentada sobre a folha do lótus da perfeição, com o olhar perdido na beleza do céu noturno. Ela sabe que "lar" não é um lugar físico no mundo exterior, mas uma qualidade interna de relaxamento e de aceitação. As estrelas, as pedras, as árvores, as flores, os peixes e os pássaros -- são todos nossos irmãos e irmãs nesta dança da vida. Nós, seres humanos, temos certa tendência a nos esquecer disso, enquanto procuramos cumprir nossos compromissos particulares, e acreditamos que é preciso lutar para conseguir aquilo de que precisamos. No fundo, porém, nossa sensação de estar à parte é apenas uma ilusão, criada pelas preocupações limitadas da mente.
Agora é chegado o momento de verificar se você está se permitindo receber a dádiva extraordinária do sentir-se "em casa", onde quer que você esteja. Se estiver, assegure-se de dedicar tempo para desfrutar essa sensação, de forma que ela possa aprofundar-se e permanecer com você. Se, por outro lado, você tem se sentido como se o mundo estivesse à espreita para pegá-lo, é hora de fazer uma pausa. Vá lá fora esta noite, e olhe para as estrelas.


16.11.11

Perder-se no mar é encontrar-se.

Sentada de frente para o mar, eu bebo. Eu fumo. Eu não aguento. Eu e Bukowski, só ele comigo. Eu só, sozinha. Essa cidade não para de chover. Eu não paro de chover.
Eu não entendo o que acontece com meu coração, eu não paro de me apaixonar, eu não paro de ficar só. Não consigo juntar meus desejos com o que o mundo espera, eu nem sei o que eu espero. Meus olhos não param de chover.
Meu coração parece um quebra-cabeças, bagunçado. Eu me sinto só. Eu me sinto escura. Eu espero qualquer coisa da vida, e eu não sei o que é. Eu espero amor, que eu não sei como é. Eu espero companhia. Eu espero parceiragem.
Eu preciso de um abraço. E esquecer. Tudo.


(isso não é um conto, é só um choro desesperado.)

14.11.11

Mambembe.

Tem qualquer coisa de magia em quando eu saio de Sampa. Ou, pior, quando eu desço pro Sul. Eu não sei de onde vem essa aura de amor, e paixão. Essa entrega constante e cega, sem saber. Essa paixão minha, sua, esticada, longa, faminta.
Nas ruas calmas e silenciosas as mãos são muito quentes e se acham, suadas, para carinhos, esperas e expectativas. A respiração muito afogada, o arrepio inevitável de peles, os olhos doces, muito doces. Devoro sua boca, porque quero devorar-te inteiro. Quero lingua, pele, suor e gemidos.
Gosto do seu cheiro, gosto das palavras entrecortadas nos lábios encontrados, gosto dessa ansiedade calma de te encontrar de novo. E num dia só nosso, para os mundos se misturarem. Porque eu gosto do seu mundo tão seu, gosto dos teus beijos tão seus.

8.11.11

Amar é um ato de coragem.

Às vezes é difícil segurar o choro, quando o mundo parece tanto o avesso do avesso do avesso. É estranho saber que mesmo sendo tantos, somos tão poucos. Que ir pra frente de batalha nem sempre basta, quase nunca. É como se ser correto fosse a coisa errada, é como se sentir, fazer, pulsar fosse burrice.
Fico lembrando dos dias em que a preguiça era maior, e, ao chegar na escola de muros grafitados, eu encontrasse os professores rindo, e de fato envolvidos. Estando ali de fato. Encontrasse os alunos atentos, questionadores, receptivos. Lembro dos dias em que eu queria sentar, chorar e sumir, e sem querer alguém me fazia ganhar o dia, com um gesto qualquer. Espontâneo.
Não dá pra abrir mão. Não dá pra esquecer. Não dá pra relevar. É muita coisa, é muita vida, é muita intensidade.


Agora, eu só queria poder abraçar as meninas, porque a gente acaba sonhando um sonho, que não é só um sonho, porque não é mais só. Porque dói ter medo de perder. Porque às vezes precisamos ser corajosos.

7.11.11

You only live once (ou Eu sempre me apaixono)

Quero entregar toda a consciência de mim a essa paixão lânguida; eterna porque interrompida, intensa porque descontínua. Essa conjunção carnal, cósmica não no ser, mas no fazer. Uma paixão sem promessas, sem fagulhas, sem incitações; uma paixão que cabe em si, mas extrapola o minimundo.
Proibida porque não é. Permitida nos pequenos lapsos de tempo, sem dizeres, só sentires desencontrados, conflituosos, incendiários. Quero entregar meus desejos todos os dias, por ser impossível, impulsivo. Quero te viver constantemente, ainda que deletério.
Só quero porque não posso - e então o desejo de poder é fetiche - e tenho medo de não querer quando puder. Mas, até lá, sigo em brasas, te sonhando em dedos, abraços e beijos roubados.