25.6.12

Esperando-o.

Mesmo com todo o frio, o sol da tarde era agradável e manso. Olhei para os lados, ansiosa. O relógio da praça me dizia que estava dez minutos atrasada, dez elegantes minutos. Sentei. Calculei o ângulo das pernas. Coloquei um chiclete bobo na boca e masquei, concentrada nos meus dentes. Tentei não pensar na espera, na demora.
O relógio me cutucava: meia hora. O chiclete não tinha mais gosto, eu sequer pensava no cheiro desagradável e acendi um cigarro. Se ele não chegasse, jogaria fora a guimba e as esperanças. O cigarro acabou e eu traí minha palavra. Se até o final do capítulo ele não chegar, eu vou. Não vou ficar.
O capítulo acabou, me convenci que ali era confortável, aproveitar a luz do sol e ler um pouco mais. Não estava mais esperando, ainda que sentada no mesmo lugar. Uma pausa para um cigarro. É proibido olhar para o relógio.
A tarde mornal corria, uma fresta de lua abria o céu. O vento gelado me fez buscar o cachecol e as luvas. E se ele tivesse se atrasado colocando mais agasalho? Com os olhos já apertados, precisei trocar os óculos escuros pelos de grau, até meu livro perdia a paciência comigo. Evitava ir a um café ou qualquer lugar quente, não por nada. Mas ele podia estar chegando.
A fim de me esquentar, dei uma volta apressada pelo quarteirão. E se ele foi atropelado? E se alguém da família morreu? E se marcamos em outro lugar e eu esqueci? Fumei furiosamente cigarros, que acompanhavam as passadas rápidas. Não queria que ele chegasse e não me encontrasse. 
A névoa descia, envolvia as lâmpadas como um véu. Era uma noite poética, tanto melhor que o nosso encontro se desse assim, lírico. Os ponteiros do relógio apontavam gentilmente para casa, no mesmo lugar de quando eu havia chegado. Dez minutos atrasada.







Está pra mais de três anos, e ele ainda não chegou.- livremente inspirado em Esperando Godot.

24.6.12

MULHER 23A PROCURA

Procurei metáforas. Me perguntei. Tentei relativizar. NÃO DÁ.

Preciso urgentemente encontrar um amigo pra lutar comigo.
Preciso ter pra quem cozinhar no meio da semana.
Preciso fazer cafuné, ter um colo pra deitar e falarfalarfalar.
Preciso de quem veja Juno e Amélie comigo sabendo que eu vou chorar.
Preciso que riam dos meus medos babacas pra eu me livrar deles.
Preciso de café preto e cigarro na cama, pra despertar.
Preciso de abraços largados, que me fazem suspirar.
Preciso de beijos inusitados que me façam torcer o nariz.
Preciso que alguém ria do meu portuñol e que fale tão bem quanto eu.
Preciso de companhia na cama enquanto divago sobre meus impossíveis animais de estimação.
Preciso de telefonemas em horários inapropriados sobre futilidades irrelevantes.
Preciso que levem minha roupa e me façam implorar por ela de volta.
Preciso de uma mente doentia pra criar minhas teorias comigo.
Preciso que alguém cuide de mim, só para me ver sorrir.

(me sinto o Calvin fazendo lista de presentes pro Papai Noel.)

23.6.12

Diário.


Acordo quando me chega o bom humor, a disposição, o sol na cara. Se tenho ganas, desperto; se tenho preguiça, espero. Na hora de sair pro dia, não tem carros a importunar as pedaladas, e pedalo. Com calma, os pés dão espaço pro céu azul, pra brisa, para o farfalhar calmo das árvores.
No cigarro e o sofá da preguiça, namoro gato e gata. Quietos, investigam meus cheiros, esperam a respiração calma e se aninham. Aninhados os três, amamos. 
Cabelos num lenço, o som na casa, os cheiros imperam na cozinha. Sorrio, danço, alquimizo: inventos os gostos para os risos, os gostos para os beijos, o gosto pra solidão. Cozinho, confeito, canto. O sonho de viver das panelas. A diversão de ser mambembe. O cotidiano de ser bruxa. Não ter a quem prestar satisfação.
O sol baixa, as luzes acendem, os passos zigue-zagueiam. Me pinto de amor, mascaro um sorriso sincero, a rua me chama e me espera. Se o cansaço pousa na cidade, a boemia possui os espíritos, a cerveja deita no copo é quando eu devo ir. Cair de bar em bar, de braço em braço. Espalhar riso e coração pulsante nos dias, esperar calma a hora de intensificar.
E desperto, bruta. Sedenta de amores e cores, sedenta de paixão e furia, sedenta. Me agarro nos abraços e beijos, bebo dos âmagos e devoro. Se acaba a diversão, cama. Se acaba em tesão, cama. Se nos acabamos, cama. O tempo passa, eu passo no tempo. Com exageros, extravagâncias, necessidades.
O sono baixa devagar, os olhos piscam e se detém, no real e no realizar. Lento, o sonho calmo beija minhas pestanas, para o dia começar.

21.6.12

Pré.

A respiração se prolonga, afunda, invade. Parece que meu corpo inteiro se dilata a cada inspiração. O ar sai quente, carregado, sonoro. A próxima inspirada ainda mais lenta, demorada, presa. A garganta insiste em engolir isso que não está na boca, que não está na lingua, que não está. Que sequer existe. E ela engole. Os olhos coçam como se cheios de areia e eu não ouso coçá-los. A ponta do nariz se desvira num líquido quente, tenho certeza que ele se desmanchará. Um tamborzinho bate em cada ouvido, furioso. Os lábios queimam.
A respiração perde o rumo, os olhos encharcam, a voz calada vira um lamento, e o corpo dança, estirado na cama, o rosto preso no travesseiro.


livremente inspirado em Instruções para chorar, do Cortázar, 
no Histórias de Cronópios e Famas.

18.6.12

Dentro da menina ainda dança.

Ela levava a vida na ponta dos pés. Equilibrava-se entre as manhãs e os amanhãs, com a delicadeza de bailarina, resignada, constante. Mas era domingo e a televisão incomodava. O cochilo na tarde cada vez mais furtivo, a agonia no peito cada vez mais persistente e num arroubo decidiu mudar de mundo. O cabelo escorregava preguiçoso pelas costas desenhadas, e sem medo, com uma faca cortou as longas pontas, as expectativas, o futuro, o cordão umbilical. Fechou roupas dentro da mochila.
Pedindo carona na estrada, indo pra lugar nenhum, ela pensou o seu viver. Tinha andado em linha reta para um final feliz, quando só queria perambular tortuosamente, sentir o cheiro da terra do caminho, o álcool de todos os vinhos, o gosto das bocas famintas. No meio da noite, os pensamentos se organizaram, a sapatilha de ponta ficava cada vez mais longe, os pés precisavam tocar a terra.
Conheceu cidades, amou pessoas, viveu histórias mirabolantes e, com surpresa, descobriu que não ter futuro era o melhor plano para os dias.
Mambembe, equilibrava a vida na ponta dos dedos. 

para a Marina, bailarina, fugida, musa.

17.6.12

Murmúrio, 02.

Teu cabelo tem cheiro de estar sentado na areia, olhando o mar num dia nublado. O céu é tempestuoso, as nuvens dobradas sobre elas mesmas. O mar cor de chumbo - e olhar tem o teu cheiro.

16.6.12

Declaradamente #1

#1
Pele. 
Tu é todo pele em mim. É cheiro e calor, maciez e delicadeza. Gosto dos teus lábios, teus dedos, teus mamilos. O cheiro que se cola em tudo, em todo pano, no meu cabelo. Essa vontade persistente de te olhar só por olhar, e me grudar no teu peito pra deixar seu cheiro fluir. Uma doçura, um desrumo, uma paixão. 
É isso, me apaixonei.

#2
Verso.
Me sinto num livro antigo, já meio puído quando vejo seus olhos perdidos, intensos, profundos. Me sinto qualquer e generalizada, atemporal, sem nome. Me sinto tão tua, entregue. Teus verbos vão se alojando sob a pele, brasas do meu tormento. 
Traço e sangue, tatuagem.

#3
Azul.
Estrela, lua, tem sempre todo dia. Tem vaga-lume, nuvem e mil tons. Tem meu amor.

5.6.12

Insomnia #1

A coletividade faz os sentires serem esparsos, horizontais, confusos. Grandes encontros são brincadeiras na superfície de um mar muito salgado, num dia úmido e quente. 
O problema é que eu não sei brincar de leve, e grandes mergulhos em mares nunca antes navegados me atraem mais que tudo na vida. E submersa, perco os nortes, e o indivíduo é sempre uma noite nublada no mar aberto.
Quem sabe na coletividade eu desconstrua as relações bilaterais. Quem sabe esse enorme oceano me afogue. Eu não sei, só quero ir cada vez mais fundo. Que saibam me dar nortes, os mares, porque eu já abdiquei deles.