24.7.12

Projeções #1

Me convenci a não roer nenhuma unha. Olhava minhas mãos, já desacostumadas à vermelhidão do esmalte que você sabia o nome. Desacostumada com qualquer esmalte, os dentes seriam uma perdição. Dancei sem música, num espaço muito curto, sem que ninguém visse. Me dependurei no vermelho-branco-preto da calçada, tentando pensar em outra coisa. Qualquer coisa.
Aquela esquina sempre me fez sorrir. A cidade toda diferente, lembro de andar contigo reclamando das luzes de Natal, na última vez. Eu sempre reclamo das luzes de Natal. Beijos-passados se intercalam na sucessão de memórias e você não chega. Você sempre se atrasa. Lembro das lágrimas. Por que, nessa cidade imensa, as conversas se concentram nesse ângulo, esquina, quadrado, quadro?
Espero você e os cigarros que vão amortizar minha ansiedade. Desejo uma cerveja gelada ignorando meus suores nas mãos. Me sinto com 18 de novo, toda apaixonada e boba. Seco a ponta dos dedos num vestido propositalmente curto, propositalmente indie. As caras parecem de outro lugar, a cidade parece ter expandido nos últimos meses.
Me recuso a contar All Stars ou pessoas de vermelho. Me recuso a morder os lábios e comer batom. Me recuso a tremer com a demora. Sinto ganas de mandar todos pararem de andar por todos os lados, e esperarem quietos os seus sinais. 
Procurando um padrão nas calçadas, vejo seu velho tênis branco, surrado; sua pisada torta. Sua calça muito justa, a camisa xadrez. Seu rosto com aquela mirada de malandro, o meio sorriso, os lábios que soltam a fumaça. Um olho que pisca, o outro me mira. Sinto tudo derreter em água morna, seus dedos firmes me prendem pela nuca, sinto o cheiro do meu cabelo penetrar silencioso em você, e sua voz melodiosa me diz:
- Oi.

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11.7.12

Descaminhos.


Eu saí de casa ainda mais cedo. Queria te comprar flores, só pra te ver perder o jeito, ficar calada, oblíqua, vermelha. Ensaiei mentalmente como enlaçaria sua cintura e como seu riso seria frouxo e tímido. Ensaiei olhares, preparei meus melhores versos, para que soassem naturais. Tingi tudo quanto pude de vermelho.
Brinquei de pisar nas pontas dos pés, brinquei de ter notas musicais nas calçadas. Eu te levava um sonho musical de muito tempo, um desejo bruto e sublime, eu te levava meu peito aberto. Eu levava toda a minha paixão adolescente do amor de longe, eu levava todo o tesão de amar as pequenas. E tinha muito caminho para os meus pés.

MAS.

Os pés trilharam rumos que eu não sabia. A vida me cobrou mais alto do que eu sabia gritar de volta. Fugi do teu caminho, mastiguei uma a uma as pétalas das rosas. Andei o percurso inverso, sem nunca ter te estreitado num abraço, com o peso da culpa e uma enorme ausência de você.
Passei o dia na cama, febril, ensaudadecida, cansada. Sinto falta dos teus dedos no meu cabelo. Queria ter sua pele acariciando as inflamações oníricas da minha pele. Queria dormir no teu colo seguro, antes de a vida voltar a ser real. 
A respiração desafoga, é superficial, o sono lambe minhas pestanas e te encontro num lugar a salvo do mundo.

9.7.12

Sobre olhar o mar.

O mar me olha, me molha. Meus olhos são pequenos pra sua imensidão. Furtivo amante, penetra em todas as minhas frestras, me ressignifica. Eu sou exata e simples, só nele há mistérios. E, imersa, sou toda mistério, penumbra e murmúrio. 
Não existem palavras para o mar. Quebram as ondas, eu me parto, remonto, eu fico. Como um amor partido, como todos os sonos com olhos abertos. Entra o céu de chumbo da cidade.